Entrevista a Howard S. Becker
Ver o texto completo da entrevista neste site:
http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/69.pdf
Ver estes TRÊS excertos:
1º EXCERTO (pp. 118-119)
Entrevista a Howard S. Becker
"A.A. - A metodologia utilizada pelos primeiros pesquisadores de Chicago foi amplamente
difundida, não só no resto dos Estados Unidos como na Europa. Como ocorreu essa difusão?
- Na verdade, naquela época não havia metodologia. Isso só veio depois. Nos primeiros
tempos as pessoas estavam simplesmente inventando métodos de pesquisa, pois isso era uma
coisa que não existia.
G.V. - Você acha que nesses primeiros tempos não havia um projecto consciente de
orientação metodológica?
- Não havia. Você pode ver isso na maioria dos trabalhos de Thomas. Ele e os demais
simplesmente inventaram, criaram métodos para si próprios, autobiografias de camponeses,
analisando as suas cartas ou fazendo entrevistas. De certo modo isso era muito revolucionário,
porque até então a maioria das pesquisa era feita em bibliotecas. Um dos livros anteriores de
Thomas mais importantes era um sobre antropologia.[W. I. Thomas, Source Book for Social Origins: Ethnological Materials, Psychological Standpoint, Classified and
Annotated Bibliographies for the Intepretation of Savage Society. Chicago, University of Chicago Press, 1909.] Mas para escrever esse livro, ele foi para a
biblioteca e leu todos os relatos de missionários, negociantes, exploradores, etc. De toda forma, o
problema da metodologia não se colocou logo, veio um pouco depois.
G.V. - Você mencionou Small, Thomas...
- E falta mencionar Robert Park, a pessoa mais importante no desenvolvimento da
sociologia americana e no Departamento de Sociologia de Chicago. Park era filho uma próspera
família do Meio-Oeste, nascido em Omaha, Nebraska, e fez o seu doutorado na Alemanha, onde
estudou com Simmel. Sua tese chama-se The Mass and the Public as Forms of Collective Action.
Depois da Alemanha, voltou para os Estados Unidos e durante algum tempo ensinou filosofia em
Harvard. Tornou-se então jornalista e, se estou bem lembrado, foi editor-chefe do Detroit Free
Press, o principal jornal da cidade de Detroit. Foi secretário de uma organização destinada a
salvar o Congo do rei Leopoldo da Bélgica, que havia imposto um dos regimes mais terríveis que
jamais existiram. Escreveu um trabalho sobre o Congo e tornou-se ghost-writer de Booker T.
Washington, o líder negro. Escreveu vários dos livros que saíram no nome de Washington.
Finalmente, conheceu W. I. Thomas, que lhe ofereceu um lugar na Universidade de Chicago por
um ano. Depois desse ano foi efetivado, e assim, aos 50 anos de idade, tomou-se professor
universitário. Não teve uma carreira muito longa como professor, mas foi muito influente.
Robert Park criou na Universidade de Chicago um enorme projecto de pesquisa. Escreveu
um ensaio chamado "A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no
meio urbano" [Este artigo foi publicado pela primeira vez em American Journal of Sociology, XX (Mar. 1916), pp. 577-612. A
tradução brasileira está em Otávio Guilherme Velho (Org. e introd.), O fenômeno urbano, Rio de Janeiro, Zahar,
1967.] que foi traduzido em diversas línguas e é muito conhecido. Este ensaio consiste
em uma série de tópicos em forma de questões, e cada uma delas poderia ser o trabalho da vida
de dezenas de pessoas - questões sobre relação de classes, sobre ocupações, religião etc. Não
conheci Park pessoalmente, e sinto não tê-lo conhecido. Deve ter sido um homem muito
dinâmico e carismático, capaz de persuadir todo o mundo a fazer o que ele queria. Tenho a impressão de que todos os cientistas sociais da Universidade de Chicago - economistas, cientistas
políticos, historiadores e até mesmo antropólogos - fizeram coisas baseadas nas suas ideias.
A partir do plano de pesquisa de Park, as pessoas começaram a trabalhar, cada uma
desenvolvendo a sua parte. Estudaram as regiões naturais da cidade, algumas vezes chamadas de
"regiões morais", estudaram a distribuição dos vários fenómenos sociais no espaço. De facto, aí a
metodologia começou a tornar-se importante. Também nessa época o Departamento recrutou
William Ogburn, que ensinava na Universidade de Columbia e foi o principal responsável pelo
desenvolvimento dos métodos estatísticos na sociologia. Ele criou uma ligação com o governo
federal, que começou a patrocinar uma série de pesquisas. Ogburn era um verdadeiro pregador
dos modelos estatísticos, e conviveu com Park no Departamento.
Park tinha uma visão muito
eclética sobre métodos, realmente não se importava com isso. Qualquer maneira de descobrir
algo era boa: método qualitativo, quantitativo, histórico, dava tudo na mesma. E seus alunos
também pensavam assim. Frequentemente utilizaram métodos múltiplos para atingir seus
objectivos".
2º EXCERTO (pp. 130-131)
G.V. - Vamos voltar agora para a sua carreira pessoal. Você estudou com Lloyd Warner
e conheceu a antropologia social britânica. Qual foi a importância da antropologia social no
seu trabalho?
- Comecei as minhas pesquisas fazendo minha tese de mestrado sobre os músicos de jazz,
que foi tremendamente influenciada pela antropologia social. Era o que eu considerava como o
método de pesquisa mais importante: ir a um lugar, conhecer as pessoas e observar
cuidadosamente o que faziam, não só o que diziam. Warner tinha umas fórmulas muito simples,
realmente maravilhosas. Ele dizia: "Quando estiver para acontecer um evento importante, no
lugar que você está estudando, primeiro pergunte a todos o que vai acontecer. Então, observe o
que aconteceu. Depois pergunte às pessoas o que aconteceu." Faço isso o tempo todo, para mim
essa é uma regra fundamental.
Depois de terminar o mestrado, fui trabalhar como assistente de Everett Hughes. Ele
estava estudando as escolas públicas de Chicago, o que tinha a ver com a questão racial, pois as
escolas estavam muito segregadas na época. Wirth e Hughes estavam colaborando numa
pesquisa para mostrar como isso acontecia e o que poderia ser feito a esse respeito. O meu trabalho
era entrevistar os professores das escolas. Visitei 60 escolas e escrevi a minha tese de doutorado
sobre o trabalho desses professores. Tornei-me então o Dr. Becker e me perguntei: e agora?
Nessa época eu ainda estava tocando piano, e essa era a actividade mais importante para mim.
Mas em dado momento, comecei a pensar: "Afinal estudei todo esse tempo, e talvez deva admitir
que as pessoas com quem trabalho nos lugares onde toco piano não são tão simpáticas assim, são
meio mafiosas, meio criminosas. Talvez seja melhor seguir o caminho acadêmico." Devo dizer
que sou meio desaforado, meio respondão, e que aquelas pessoas com quem eu convivia nos
bares não eram de levar respostas para casa. Pensei que estaria melhor fazendo pesquisa, e
consegui uma série de empregos onde me pagavam para fazer pesquisa empírica.
Trabalhei para o Institute of Juvenile Research, em Chicago, que era dirigido por Clifford
Shaw, ex-aluno de Robert Park, e estudei o uso da maconha [marijuana]. Entrevistei uma série de pessoas,
nem lembro quantas, e escrevi um artigo que mais tarde se tornou famoso, chamado "Becoming a
marihuana user". Hoje está incluído em meu livro Outsiders. E este é um episódio interessante
na história da sociologia. Quando escrevi o artigo, ele foi considerado uma curiosidade. Era
interessante, mas não importante, porque a maconha [marijuana] tampouco era um assunto importante na
época, em 1953. Mas nos anos 60 a maconha [marijuana] tornou-se importante. Nos anos 50 era tida
provavelmente como coisa de negros, mexicanos, músicos e outros tipos que não eram
considerados importantes, mas, nos 60, os jovens de classe média começaram a fazer uso dela.
Então, de repente, o meu artigo, que continuava o mesmo, passou acidentalmente a ser importante,
e eu me senti o avô das pesquisas nessa área.
Nesse artigo, eu desenvolvia ideias sobre o desvio que mais tarde iriam aparecer em meu
livro Outsiders. Escrevi umas oitenta ou noventa páginas que continham todas as idéias básicas,
mas não sabia o que fazer com aquilo, não conseguia ver aquilo colocado no mundo das ciências
sociais. Não publiquei o artigo, mas sete ou oito anos depois mencionei-o a um amigo, ele me
pediu para ler, disse que era interessante e que eu deveria publicá-lo. Reuni-o então a outros
artigos sobre músicos e publiquei Outsiders, em 1963. Portanto, o primeiro capítulo desse livro
foi escrito no início dos anos 50...
Mas a coisa mais importante que fiz naquela época foram dois grandes trabalhos de
campo na Universidade de Kansas. O primeiro deles foi com estudantes de pós-graduação em
medicina. Eu e meus colegas de equipa passamos três anos estudando os estudantes, de uma
maneira tipicamente antropológica. Dia após dia eu pesquisava sobre eles: assistia às aulas com
eles, a todo lugar a que iam, eu ia também. Quando acabei essa pesquisa e estava redigindo um
texto para publicar, comecei outra, na mesma escola, dessa vez com os estudantes da graduação.
Também foi um grande estudo, com entrevistas a várias pessoas, Escrevemos sobre isso e
preparamos dois livros, que foram publicados nos anos 60: Boys in White e Making the Grade.
Ambos centravam-se no conceito de cultura estudantil: o que os estudantes pensavam, que idéias
tinham em comum, em que bases organizavam suas vidas.
Portanto, de 1951, quando terminei o doutorado, até 1965, estive trabalhando em várias
instituições de pesquisa, sem dar aulas na universidade. Era uma boa época para se fazer isso,
pois havia muito dinheiro para pesquisa, era mais fácil conseguir apoio. O governo federal e
várias fundações privadas estavam aplicando grandes somas nas pesquisas em ciências sociais.
Enquanto meus amigos viviam os problemas da carreira acadêmica nos Estados Unidos,
preocupando-se em saber se seriam promovidos, quando iriam obter estabilidade etc., e tendo
que fazer pesquisa enquanto davam aulas, eu não ensinei e fui pago para trabalhar em tempo
integral em pesquisa. Consegui publicar quase todos os trabalhos que escrevi nessa época e finalmente, em 1965, comecei minha carreira de professor entrando para a Northwestem University -
devo dizer que o chefe do departamento que me contratou, Raymond Mack, era baterista, e já nos
conhecíamos como músicos. Foi assim que me tomei professor da Northwestem. Mas já fui para
lá como professor titular, no topo da carreira, e me livrei de todo aquele início chato. Odeio
situações hierárquicas, não gosto de estar no topo, no meio, em lugar nenhum. A idéia de estar
numa posição em que a administração da universidade pode decidir se sou ou não bom o
suficiente para ser mantido não me agrada, não é para mim. Portanto, eu só poderia entrar para
um lugar onde esses problemas não se colocassem. Eu via os meus amigos sofrendo por essas
coisas".
3º EXCERTO (pp. 131-134)
Fui para a Universidade de Stanford em 1962 e fiquei lá três anos. Era
ligado ao Departamento de Sociologia, mas não era um professor regular. Meu lugar, realmente,
era no Instituto de Pesquisas da universidade. Ao fim de um ano, me afastei do Departamento de
Sociologia e fiquei no Instituto em tempo integral. Comecei a lecionar realmente em 1965, na
Northwestern, e tive todos aqueles problemas terríveis de um professor iniciante, de preparar
aulas... Eu não sabia ensinar. Sabia fazer pesquisa, mas não ensinar. Foi horrível, mas de alguma
maneira sobrevivi. Era um departamento maravilhoso.
G.V. - Como você compara os departamentos de sociologia da Universidade de Chicago e
da Northwestern?
- O departamento da Northwestem era muito eclético, tinha gente de todas as tendências,
tanto em teoria como em pesquisa. E havia um princípio maravilhoso: o respeito mútuo. É
comum a gente ver lutas entre facções, politicagem, brigas, pessoas se odiando entre si, mas na,
Northwestern havia um grande respeito pelo trabalho do outro. Era um departamento pluralista, e
em certo sentido havia diferenças suficientes para se transformarem em motivo de discordância,
mas nós decidimos que também tínhamos muitos pontos em comum e resolvemos olhar para eles
em lugar de enfatizar as diferenças. Por isso a Northwestern tem sido um lugar maravilhoso para
se dar aulas e fazer trabalhos de diversos tipos. Em 1980, eu já estava lá havia quase 15 anos,
trabalhando quase sempre com educação, e comecei a ficar completamente entediado. Quando
começava uma nova pesquisa, depois de três dias eu tinha a impressão de que já sabia tudo o que
ia acontecer. Sabia qual era a pergunta e sabia qual era a resposta. Quer isso fosse verdade, quer
não, era uma sensação desagradável. Decidi então que havia chegado a hora de mudar de assunto,
e fiquei muito interessado em sociologia da arte. A sociologia da arte era praticamente
inexistente nos Estados Unidos, era um ramo da árvore européia. E a sociologia da arte européia,
representada por autores como Luckàcs, Adorno, Lucien Goldmann, não era a sociologia como
eu entendia.
G.V. - Na verdade, era uma sociologia da literatura.
- Da música também, no caso de Adorno. Mas para Adorno a sociologia da música quer
dizer "por que Schõnberg é melhor do que os outros". Logo me irritei com Adorno, porque um
dos seus primeiros artigos traduzidos para o inglês era sobre jazz. [A tradução brasileira deste artigo. "Moda sem tempo: sobre o jazz", está em Gilberto Velho (org.). Sociologia da
Arte III. Rio de Janeiro, Zahar, 1969] E não era apenas um artigo
contra o jazz, era um artigo racista. Ele quase falava da música negra como "música da selva" -
acho que usava essa expressão. Era horrível, e eu pensei: "Esse sujeito não sabe nada. Qualquer
pessoa poderia cometer um erro desses, que é um erro muito sério. Ou ele é um tolo ou é um
preguiçoso que não faz o seu trabalho direito, não sabe do que está falando." É uma coisa
horrível de se dizer sobre ele, mas eu disse. Ele foi muito ofensivo.
G.V. - Como músico de jazz, você foi pessoalmente ofendido.
- Fiquei ofendido, não apenas politicamente, mas realmente ofendido. Mas também achei
que ele não sabia do que estava falando, não conhecia nada sobre esse tipo de música. Porque se
conhecesse, não teria escrito aquilo. Afinal, era uma época em que muitas outras pessoas na
Europa, especialmente na França, entendiam muito bem a importância musical do jazz. Adorno
praticava um tipo de elitismo do qual eu realmente não gostava. Toda a teoria da sociedade de
massas que homens como Adorno criaram.reflete exatamente, uma visão elitista das culturas da
classe trabalhadora. Apesar de não ter lido todos os seus trabalhos, eu não estava de acordo com
a opinião deles. Eu achava que eu estava certo e queria fazer sociologia da arte, mas a meu modo.
E encontrei certas coisas em três ou quatro trabalhos, não de sociologia, que me foram de grande
ajuda.
O primeiro autor foi Gombrich, historiador da arte britânico, que escreveu um livro
chamado Art and lllusion, [E. H. Gombrich, Art and Illusion: a Study in the Psychology of Pictorial Representation. Princeton, Princeton
University Press, 1960.] em que enfatizou o papel das convenções e representações, os
modos convencionais de representar a realidade: você pode representar a realidade através de
uma imagem bidimensional, utilizando técnicas de modo que qualquer pessoa possa decifrar e
entender o que está sendo representado. O segundo autor foi Leonard Meyer, musicólogo da
Universidade de Chicago, que escreveu Emotion and Meaning in Music. [Leonard Meyer, Emotion and Meaning in Music. Chicago, University of Chicago Press, 1956.] Aí ele mostra como o
desenvolvimento das diversas convenções musicais tornou possíveis todos os efeitos emocionais
que a música provoca. Há ainda o trabalho de uma aluna de literatura de Meyer, Barbara R.
Smith, chamado Poetic Closure, [Barbara R. Smith. Poetic Closure: a Study of Low Poems End. Chicago, University of Chicago Press. 1968.] que é mais fácil de explicar.
Barbara Smith faz a seguinte pergunta: "Como você sabe que um poema terminou?
Apenas pelo fato de que não há mais nada escrito? Afinal, o poema poderia ser maior, e a gráfica
pode ter cometido um erro, cortando-o." Pois há outros meios de se saber que um poema
terminou, e isso graças às convenções. Se você tem, por exemplo, um poema no estilo de John
Donne, o poeta metafísico, que tece uma elaborada elucubração lógica, quando a elucubração
chega ao fim, o poema também termina. Existem também certas formas poéticas, como o soneto,
em que, quando se chega ao 14 o. verso, sabe-se que o poema acabou. Há ainda coisas mais sutis.
Em inglês é muito comum o último verso de um poema ser composto de palavras de uma sílaba.
É também muito comum o último verso conter palavras que indicam o fim, como sleep, death,
rest, coisas assim. Todos esses recursos podem ser usados por um poeta para dar a você a
sensação de que o poema chegou ao fim. Esses recursos também permitem dar a ilusão de que se
chegou ao fim, para então ocorrer uma mudança de rumo. Nesse caso, há um falso fim e um fim
real. Se for um falso fim, deve haver algum tipo de indicação.
O fato é que eu achei isso crucial, porque a idéia de convenção pode ser traduzida para
algumas idéias e conceitos que as ciências sociais usam, como norma, regra etc. A compreensão
do significado dessas palavras é compartilhada por todos. Isso me permitiu estabelecer a ligação
e significou que eu poderia utilizar os trabalhos desses autores, adaptando-os para o estudo da
organização social. Comecei então a ler muito, todos os outros estudos que haviam sido feitos
sobre o tema - outro trabalho importante é o do historiador da arte inglês Michael Baxandall
sobre a pintura renascentista italiana. [Michael Baxandall, Painting and the Experience in the Fifteenth Century Italy. London, Oxford, New York,
Oxford University Press, 1972.] Ele mostra como as convenções eram estabelecidas e
como as pessoas eram capazes de decifrá-las. Os pintores utilizavam recursos e truques que eram
compreensíveis, por exemplo, para os comerciantes contemporâneos, que em geral estavam
pagando pelo seu trabalho. Fiz uma pesquisa empírica sobre todo esse material, procurei
integrá-lo, e isso resultou no livro Art Worlds19
19 Howard S. Becker, Art Worlds. Berkeley, Los Angeles, London, University of California Press, 1982., que estou utilizando agora no curso de
sociologia da arte que estou dando com Gilberto Velho no Museu Nacional.
G.V. - Com Outsiders, você se tornou conhecido como o grande teórico da área do
desvio. Mas além disso, você também é conhecido como um teórico na área do interacionismo
em geral. Basta lembrar seu livro Uma teoria da ação coletiva 2020 Howard S. Becker, Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro. Zahar, 1977.. Como você vê a importância
de seu papel como teórico?
- Acho que o papel importante que posso ter desempenhado foi o de ter fornecido
modelos de pesquisa. Um grande número de artigos nos Estados Unidos, e mesmo em outros
países, tem títulos do tipo "Becoming a marihuana user", com verbos no gerúndio: tomando-se
isso ou aquilo. Meu artigo forneceu portanto um modelo, era uma maneira de organizar as
observações. E também teve, naturalmente, uma importância teórica. Basicamente, indicava a
noção de processo. As coisas não acontecem porque acontecem, não são automáticas. Não se tem
uma determinada combinação de variáveis e, automaticamente, um determinado resultado.
G.V. - Você está fazendo teoria....
- E você está sendo implicante... Mas o fato é que este é um modelo para se investigar as
coisas como processo. E acho que isso é fundamental. O outro lado disso é que noções como
"cultura estudantil" fornecem uma outra espécie de modelo para o tipo de atividade organizada
dentro da qual as pessoas experimentam os processos. As pessoas interagindo de maneira regular,
numa rotina, têm certas maneiras padronizadas de fazer as coisas, o que não significa uma ação
automática. Elas não agem de determinada maneira porque esta é a sua cultura, porque estão
numa certa posição social e não têm escolha, mas estas são as condições de sua ação e elas
reagem a isso de uma maneira determinada. Logo, é útil entender o processo de desenvolvimento
de certas atividades, incluindo-se aí a compreensão de que as pessoas reagirão de uma maneira
esperada, de uma forma em princípio previsível. Em outras palavras, a compreensão de que essas
formas de ação coletiva ocorrem porque as pessoas aprenderam, através de um determinado
processo, que é assim que se faz. É muito mais fácil fazer desse modo do que inventar uma
maneira nova de fazer.
Isso não significa, porém, que novas maneiras de fazer as coisas não sejam, criadas. Todo
dia são criadas novas formas, mas toda novidade tem um preço. É sempre mais fácil fazer as
coisas do jeito que todo o mundo faz, e um simples exemplo disso é o uso do idioma do país.
Qualquer pessoa, nos Estados Unidos ou no Brasil, pode falar a língua que quiser, mas talvez não
seja entendida. O preço a pagar é alto. Você também pode inventar uma nova língua se quiser,
mas certamente ninguém irá entendê-lo. E isso é fantástico, porque nas artes as pessoas fazem
muito isso, muitas vezes inventam linguagens e freqüentemente pagam seu preço. Ninguém as
entende e seu trabalho resulta em nada. Algumas vezes se consegue convencer as pessoas de que
vale a pena esforçar-se para aprender uma nova língua. Mas em geral, quando alguém inventa
uma nova língua, pode ser difícil conseguir patrocinadores para o trabalho artístico, e isso pode
tornar o trabalho impossível, ou muito difícil. Mas há pessoas que conseguem persuadir as outras
a fazerem as coisas do jeito que elas querem. Tudo depende. É sabido, por exemplo, que os
músicos das orquestras sinfônicas estão entre as pessoas mais conservadoras, para não dizer
reacionárias, do mundo. Eles gostam de fazer as coisas do modo como sabem fazer. Não querem
fazer coisas que signifiquem mais trabalho. Pelo menos é essa a opinião dos compositores
contemporâneos. É bastante conhecido o fato de que esses músicos podem até sabotar obras que
não aprovam. E os novos compositores, quando produzem suas obras, sabem disso. Eles podem
até produzir novas obras contando com a possibílidade de conseguir outros músicos para
executá-las. Acho que este é um ponto teórico importante, porque freqüentemente as pessoas
consideram a influência da estrutura social como mais opressiva do que ela é: "Você não pode
compor música de forma nova." Sim, você pode. Será mais difícil, você poderá ter que recrutar
pessoas, ensiná-las, ou seja, terá muito mais trabalho do que se compusesse da forma conhecida.
Acho que este é um tipo de perspectiva teórica.
In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 3, n.5, 1990, p.114-136.
Site:
http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/69.pdf
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