Segunda-feira, 31 de Outubro de 2005

Resumo da Aula teórica nº 4 - 4ª feira, 2 de Novembro de 2005 - O problema levantado por David Hume à ciência de Newton

 

Universidade do Minho


Curso de Sociologia – 1º ano – Metodologia das Ciências Sociais


Aula teórica nº 3 - 4ª feira, 2 de Novembro de 2005 (excepcionalmente será dada nas aulas práticas de 4ª feira das 14-16h e 16h-18h).


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O ponto de vista de um filósofo que despertou Kant do seu sono dogmático: David Hume


 


"David Hume morreu aos sessenta e cinco anos, em 2 de Agosto de 1776. Conta-nos o seu melhor biógrafo, Ernest Mossner, que ao passar o seu funeral alguém na rua comentou: "Ora, era um ateu". Ao que outro respondeu:"Não importa, era um homem honesto". E, de facto, não têm conta os testemunhos acerca da sua impecável figura humana" (Monteiro, 1984: 12).


 


Iremos ver exemplos concretos da análise de Hume, a partir de Newton (o seu modelo de ciência). Pretende-se fundamentalmente tornar claro o projecto de Hume defendendo que a actividade científica tem por base um problema: aceita o inobservável.


 Vamos ler um texto de Hume:




"Ao inferirmos alguma causa particular a partir de um efeito, devemos proporcionar uma ao outro, e jamais nos deve ser permitido atribuir à causa quaisquer qualidades, a não ser as que são rigorosamente suficientes para produzir o efeito.


Um corpo de dez onças erguido em qualquer balança serve de prova de que o contrapeso excede dez onças, mas nunca pode fornecer uma razão de que ele exceda uma centena. Se a causa, para algum efeito, não for suficiente para o produzir, devemos ou rejeitar essa causa, ou acrescentar-lhe qualidades tais que lhe dêem uma justa proporção que lhe dêem uma justa proporção ao efeito.


Mas, se lhe atribuirmos mais qualidades ou afirmarmos que ela é capaz de produzir outros efeitos, podemos apenas conceder a permissão de conjecturas e supor arbitrariamente a existência de qualidades e energias, sem razão ou autoridade" [in David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Edições 70, 1985, p. 132].


Assim para ele, em relação a "um objecto ou a um acontecimento natural, toda a nossa capacidade e toda a nossa penetração são incapazes, sem experiência, de descobrir, ou mesmo de conjecturar, que acontecimento resultará deles, ou a levar as nossas previsões para lá do objecto imediatamente presente à memória e aos sentidos.


Mesmo depois de um caso ou de uma experiência única, em que tenhamos observado que um acontecimento se segue a outro, não estamos autorizados a formar uma regra geral ou a prever o que acontecerá em casos análogos; porque se considerará correctamente como uma temeridade imperdoável julgar todo o curso da natureza por uma experiência isolada, ainda que precisa, ou certa.


Mas quando uma particular espécie de acontecimentos aparece sempre, em todos os casos, conjuntamente com uma outra, não hesitamos muito tempo para prever uma a partir do aparecimento da outra, e para utilizar este raciocínio que é o único que nos pode dar a certeza sobre uma questão de facto ou de existência. Chamamos então um dos objectos causa e o outro efeito" David Hume, Enquête sur l'entendement humain (1748), Trad. Francesa, Paris, Aubier Montaigne, 1969, p. 122, citado por Carrilho).


 


O PROBLEMA DE HUME


 


“A passagem dos casos particulares observados à expectativa de ocorrências futuras similares — e, portanto, à formulação de um enunciado geral — é um fenómeno que decorre simplesmente do hábito e das crenças que ele suscita, e que não é susceptível de qualquer fundamentação lógica”. [20]


 


Um exemplo concreto da prática da ciência daquela época e da posição de HUME


 


A hipótese da gravidade


 


Hume refere-se à gravidade newtoniana em três textos. Num deles esse conceito é discutido juntamente com o da inércia:


 


1.                    "Constatamos através da experiência que um corpo em repouso ou em movimento permanece sempre no seu presente estado, até deste ser tirado por alguma nova causa, e que um corpo impelido tira tanto movimento do corpo impulsor como o que ele próprio adquire. Quando chamamos a isto vis inertiae, apenas assinalamos estes factos, sem pretendermos ter qualquer ideia de um poder inerte; do mesmo modo que, quando falamos de gravidade, indicamos certos efeitos, sem abranger esse poder activo".


 


Noutro texto da mesma obra, a gravidade é apresentada em paralelo com outros princípios naturais:


2.                    "A elasticidade, a gravidade, a coesão das partes, a comunicação por impulso; são estas provavelmente as causas e os princípios últimos que jamais descobriremos na natureza: e poderemos considerar-nos suficientemente felizes se, mediante rigorosa investigação e raciocínio, conseguirmos subir dos fenómenos particulares até, ou quase até, esses princípios gerais".


 


O terceiro texto é do Tratado da natureza humana e, nele, Hume apresenta os casos em que o conhecimento se dá sem referência directa à experiência passada:


3.                    "Podemos em geral observar que em todas as mais fixas e uniformes conjunções de causa e efeitos, como as da gravidade, do impulso, da solidez, etc., o espírito nunca dirige expressamente a sua atenção para qualquer experiência passada" [69].


 


Resumindo


 


"Se examinarmos com atenção estes textos, veremos que é difícil, numa primeira observação, encontrar neles uma concepção única e clara da gravidade.


Porque no primeiro diz-se que ela é um efeito, ou efeitos; no segundo, ela aparece como uma causa; e no terceiro ela surge como uma conjunção de causas e efeitos". [69]


"Poderia parecer que os três textos correspondem a três distintas concepções de ciência" [70].


 


1.                    Observacionalismo ¾ forma extrema de positivismo


2.                    Anti – causalista ¾ relações funcionais entre eventos [Russell]


3.                    Explicação ¾ adoptada pelos criadores da ciência moderna.


 


"O estatuto epistemológico da gravidade, nos textos de Hume, aparece como um enigma. Para nos aproximarmos de algo parecido como uma decifração, torna-se necessário examinar mais profundamente a sua filosofia" [73].


"O significado de um termo não é o objecto por ele referido: este é apenas o seu referente. O termo "cadeira", por exemplo tem como referente o objecto que habitualmente designamos por esse nome, mas o seu significado não "é" esse objecto" [84].


 


Pergunta: "em que termos ela [esta distinção] pode ser aplicada ao problema humeano da gravidade?


 


Este termo tem como referente uma força inobservável, que é postulada como causa de uma série de fenómenos. Neste sentido, dizer que a gravidade é uma causa ou princípio geral é dizer que o seu referente é uma certa força de atracção, a qual assume, no interior da teoria, o papel explicativo de um princípio causal, e cuja existência real a teoria nos convida a aceitar.


Da perspectiva referencial é irrelevante a diferença entre uma causa inobservável como esta e uma causa observável.


O termo "fogo" refere o objecto observável que descobrimos, por inferência causal, ser a causa do calor, e o termo "gravidade" refere a causa inobservável que a nossa teoria descobriu ser a causa do movimento dos planetas e de outros fenómenos — sem que o segundo caso seja, em nada, menos legítimo do que o primeiro.


Mas do ponto de vista do significado há diferenças. [84].


Os termos teóricos distinguem-se dos termos observáveis na medida em que se referem a inobserváveis, e em que a justificação para se postular esses inobserváveis é que a existência destes é a melhor explicação possível para uma dada ordem de fenómenos


“Gravidade", tal como hábito, é um termo teórico. Qual o significado deste termo teórico? …é empírico. (…) Indicar o significado empírico de um termo teórico como gravidade consistirá em apontar para os efeitos (...) que são instrumentos dessa comprovação" [85].


1.                    ” Do mesmo modo que, quando falamos de gravidade, indicamos certos efeitos, sem abranger esse poder activo".


2.                    “…E poderemos considerar-nos suficientemente felizes se, mediante rigorosa investigação e raciocínio, conseguirmos subir dos fenómenos particulares até, ou quase até, esses princípios gerias".


"Mas o acordo profundo [entre os textos 1 e 2] relaciona-se (…) com a [seguinte] concepção da ciência (…): (...) como explicação causal, usando termos teóricos como princípios gerais capazes de dar conta dos fenómenos visíveis" [86].


 


Será que isso é assim tão claro?


 


Voltemos agora ao texto 3 de Hume


 


"Este [terceiro texto] situa-se no nível da observação vulgar, não científica [refere-se à constatação vulgar de que os graves caiem para a terra — com a única diferença que aqui se trata de uma disposição observável dos corpos, e não de uma conjunção], e não se justifica qualquer suspeita de que ele, como poderia parecer, seja caudatário de ciência (…).


Não se trata de ver na gravidade apenas uma relação funcional, trata-se simplesmente (…) de dar um exemplo entre outros de uma conjunção entre causa e feitos observáveis que é familiar a todos (…) [88-89].


 


1.                  Conclusão


 


A filosofia da natureza era ainda, tal como no tempo de Bacon, o equivalente da ciência moderna: os filósofos eram cientistas, ou então, como no caso de Hume, inspiravam-se na prática de cientistas com os quais tinham relações de proximidade — Newton.


Este contexto explica algumas contradições, a ambição gestaltica, ainda — e felizmente — tipicamente renascentista, de não só conhecer mas melhorar, transformar o mundo Hume, tal como parte Bacon, defendia um naturalismo muito próximo do ecologismo actual.


Um naturalismo "que encara o homem como parte integrante da natureza, e encontra nas forças e nos processos naturais a raiz da natureza humana, da capacidade de conhecer e da direcção dos desejos do homem. Numa recusa de todo o dualismo, o da alma e do corpo, ou o da acção e da natureza”.


A ambição de Hume era global: como conhecer e entender não só a natureza mas também os seres humanos, não no sentido de uma epistemologia rigorosa típica do positivismo posterior mas numa ética humanista (ver o texto sobre David Hume no livro Sociologia, do ISEG).


Este contexto também está presente numa certa ambiguidade, e nalgumas contradições presentes no uso que faz de termos como causa e efeito (ver os seus exemplos de leis de fenómenos físicos estudados por Newton como a gravidade terrestre, a atracção entres os corpos, etc.).


 


Questão principal:


Haverá razões para afirmar que Hume, nos textos em que caracteriza a sua ciência do homem, ou nos seus comentários gerais acerca da ciência, nos faz esperar que a sua prática científica seja conforme a um modelo observacionalista, indutivista da ciência moderna (a prática dos cientistas desde Newton)?


 


A resposta é negativa.


Procurei mostrar que Hume, apresenta a ciência, ou aciência em geral (com a excepção, naturalmente das ciências formais [matemática]), como uma "a invenção de hipóteses acerca de inobserváveis — os princípios, ou qualidades, ou poderes inobserváveis da natureza humana" [42]. 


Esta é a base do problema de Hume, referido mais tarde pela filosofia da ciência do século XX (Popper e Kuhn).


 


 


 


 


Bibliografia


 


Carrilho, Manuel Maria, A filosofia das ciências. De Bacon a Feyerabend, Lisboa, Editorial Presença, 1994


Farrington, Benjamin, Francis Bacon. Filósofo de la revolución industrial, Madrid, Ed. Endymion, 1971.


Hume, David, Investigação sobre o Entendimento Humano, Lisboa, Edições 70, 1985.


Monteiro, João Paulo, Hume e a Epistemologia, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1984.


 


 

Quarta-feira, 26 de Outubro de 2005

Resumo da Aula teórica nº 3 - 25 de Outubro de 2005

 

Universidade do Minho


Curso de Sociologia – 1º ano


Metodologia das Ciências Sociais


 


Aula teórica nº 3 - 25 de Outubro de 2005


As origens do conhecimento científico moderno – Francis Bacon e o seu debate com Aristóteles


 


A questão epistemológica na Sociologia é referida normalmente a partir de Comte (conectado com o positivismo) e mais tarde em torno do debate entre o objectivismo de Durkheim e a sociologia compreensiva de Max Weber. No entanto, o debate do século XIX tem origens mais recuadas. De tal forma que, se não tivermos em conta a sua génese, nos arriscamos a ficar limitados dentro de dicotomias do tipo realismo/construtivismo; objectividade/subjectividade; dedutivo/indutivo; empirismo/racionalismo, etc. Glosando Bruno Latour, diria que é necessário entender a génese destas caixas negras de forma a tornar possível um outro jogo de linguagem. Numa palavra, interessa entender a fase propedêutica na medida em que nos limita no debate actual.


Penso que estes argumentos tornam legítima a viagem que gostaria de propor aos textos de Francis Bacon e David Hume, considerados tradicionalmente como os fundadores do método científico moderno. Nos capítulos seguintes começarei por demonstrar que não estamos perante os "fundadores" ortodoxos da ciência moderna. Antes pelo contrário: a releitura que proponho irá mostrar que estes autores encontram alguns argumentos que contradizem a forma actual de fazer ciência. Ora, se este argumento tiver alguma plausibilidade, teremos de admitir que os debates posteriores terão igualmente de serem objecto de uma rescrita. No fundo, será esse objectivo fundamental deste capítulo mais epistemológico. Por agora irei apenas reler alguns textos fundamentais de Francis Bacon e David Hume. Mais tarde, veremos as consequências deste debate nos tempos mais próximos a partir de autores como Popper, por um lado, e Wittgenstein e Kuhn, por outro.


 


Francis Bacon: o " fundador" da ciência moderna?


 


Para responder a questão formulada pelo título, farei uma breve descrição dos traços fundamentais do debate que atravessou a filosofia das ciências e da epistemologia desde o século XVII ao século XX.


Antes de entrar nesse tema, terei de fazer uma pequena explicação acerca dos temas "filosofia das ciências" e "epistemologia".


Como muito bem assinalou, Manuel Maria Carrilho estas expressões têm sentidos diferentes em função das tradições culturais.


“Na tradição anglo-saxónica a expressão “filosofia das ciências” não se confunde, como na tradição continental e sobretudo na latina, com a de “epistemologia”. “Epistemology” designa naquela tradição o que, entre nós, se chama em geral teoria do conhecimento, e a “philosophy of science” é, mais especificamente, a parte da filosofia que se interessa pelos problemas que são suscitados pelo conhecimento científico, na diversidade dos seus domínios, dos seus métodos e dos seus objectivos” (Carrilho, 1994: 11) [Ver: Manuel Maria Carrilho, A filosofia das ciências. De Bacon a Feyerabend, Lisboa, Editorial Presença, 1994, pp. 13-17]


 


 


Ou seja, a filosofia das ciências não apresenta um carácter tão normativo como a epistemologia. Não se trata de sugerir uma teoria do conhecimento científico. No entanto, após os autores clássicos fundadores, Bacon e Hume, esta filosofia numa das suas correntes sempre foi atraída por essa tentação de definir o que era a verdadeira ciência. Durante muito tempo, o debate na filosofia das ciências principalmente a partir do surgimento do empirismo, centrou-se em torno do problema de saber qual é a importância do processo indutivo. Segundo Manuel Maria Carrilho,


“A filosofia das ciências nasce [...] com a tentativa de determinação das características do que é específico da cientificidade. [...] desenvolvendo-se em torno da oposição entre aqueles que — como Mill, Mach, Hempel — concebem a actividade científica como uma actividade em que as hipóteses decorrem, tanto quanto à sua formulação como no que se refere à sua justificação, de processos indutivos que partem do particular para o geral e que, além disso, por um lado identificam a determinação das causas com a da regularidade das ocorrências e, por outro, procuram reduzir as entidades teóricas a funções observáveis de que a indução, precisamente sempre parte; e aqueles que — como Whewell, Campbell, Popper — sustentam que a elaboração de teorias não é explicável a partir da indução e que, portanto, não se podem reduzir os conceitos teóricos à sua função lógica ou à sua base observacional”. (Ibid.: 11-12]


 


Apenas no século XX, se pode dizer que há uma espécie de retorno aos fundadores da filosofia das ciências, em que o debate se deixa de centrar em torno dos aspectos formais para se situar nos próprios fundamentos do conhecimento científico, entendo-o como algo de arbitrário e como fruto de circunstâncias históricas e civilizacionais.


“Durante as últimas três décadas dá-se, mais do que uma reformulação dos problemas tradicionais da filosofia das ciências, a constituição de uma problemática nova: sob o impacte das teorias de T. S. Kuhn e de P. Feyerabend — e da conjugação destas com algumas contribuições do que se tem chamado a filosofia pós-analítica — desenvolvem-se tematizações de novos problemas, começando assim a constituir-se um panorama que apresenta algumas interessantes singularidades” (Ibid.: 12).


 


 


Depois desta breve introdução, iremos em seguida fazer uma pequena apresentação de Bacon e das grandes linhas da sua obra. Por fim, faremos uma "re-visão" da sua concepção de ciência.


 


Francis Bacon (filósofo inglês, 1561-1626): traços fundamentais da sua obra.


 


O objectivo fundamental de Bacon é o de entrar em ruptura com a lógica aristotélica de leitura do mundo. Caracteriza essa visão antiga como sendo "antecipatória", propondo, em sua substituição, uma lógica de "interpretação". O que é a Antecipação? "A antecipação move-se entre coisas e acontecimentos particulares e princípios absolutamente gerais. [...] satisfaz-se com a indicação dos axiomas intermédios que permitem passar dos princípios ao mundo das coisas e vice-versa. Pelo contrário, a interpretação aposta antes no movimento gradual mas constante que, metodicamente enquadrado, permite chegar aos princípios a partir das coisas e dos acontecimentos particulares. [...] E aqui o que interessa a Bacon é realçar a eficácia da via interpretativa e a inutilidade, a esterilidade da via antecipadora” (Ibid.: 14).


Aparentemente Bacon sugere que uma indução mais empirista poderia constituir uma opção válida em relação a indução lógica aristotélica. Segundo alguns autores, esta operação constitui a parte mais original de Bacon como fundador do método científico. No entanto, consideram que ainda está atravessado por uma espécie de aristotelismo reformado. A sua indução não permite revelar as ordens das causas, pois ele sugere uma ordem formal. Usando as suas palavras, para Bacon não se trata de formular uma lei ou efectuar uma descrição verdadeira do que se passa, mas sim de um "começo de interpretação".


Como diz Manuel Maria Carrilho, “Bacon inflecte no sentido do aristotelismo reformado. É por isso que a indução não se limita a revelar as ordens das causas; Bacon dá outro passo e assimila esta ordem a uma ordem formal" (Carrilho, 1994: 16).


De facto, poderíamos pensar que Bacon estaria influenciado por uma lógica de defeito em relação ao formalismo aristotélico, seguindo a argumentação de Manuel Maria Carrilho. Ainda segundo o mesmo autor, "Bacon foi no entanto um pensador ainda marcado pela tradição filosófica que resistia à instauração desse mesmo espírito [científico]: daí os compromissos com o aristotelismo, daí também o desconhecimento do papel vital da matemática nas ciências emergentes” (Carrilho, 1994: 16).


Na minha opinião, esta abordagem de Bacon, como tendo algo de deficiente, não parece muito produtiva. Diria mesmo que se trata ainda de uma abordagem assente na lógica da grande narrativa científica. Glosando Lyotard, parece-me que uma leitura perlaborada de Bacon poderia mostrar-nos que este autor comunga, até certo ponto, das preocupações que mais tarde aparecerão em autores como David Hume, Wittgenstein, Kuhn, Feyerabend, etc. Para isso, irei seguir em pormenor a argumentação de Francis Bacon.


A obra principal de Bacon: " A nova lógica"


A sua obra "A nova lógica" fazia parte de uma obra mais global intitulada "A grande instauração" na qual Bacon pretendia fornecer uma enciclopédia dos saberes em torno de três faculdades: a memória, a imaginação e a razão. Um dos capítulos desta obra, dedicado à razão, destinava-se a propor uma formulação da lógica aristotélica. Daí o seu título — a nova lógica. Defendia uma estratégia metodológica que ultrapassasse a "falsa" indução aristotélica. Para isso, ele divide este capítulo em dois livros: o primeiro, que ele designa por parte destrutiva, consistia em denunciar os erros comuns, os fantasmas – "edolas" que impedem o conhecimento verdadeiramente indutivo. Ele nunca sugere, ao contrário de algumas interpretações, um conhecimento dito verdadeiro da natureza. O que ele sugere é que o seu método poderá estar mais próximo de uma interpretação válida da natureza. Para isso, era necessário "que os homens estivessem de novo em contacto com a natureza para ver as coisas com os olhos não contaminados" (Farrington, 1971: 99). [Ver: Benjamin Farrington, Francis Bacon. Filósofo de la revolución industrial, Madrid, Ed. Endymion, 1971. Ed original: Benjamin Farrington, Francis Bacon: Philosopher of Industrial Science (1949, reprinted 1979)].


No entanto, alguns aforismos de Bacon, nesta parte mais "destrutiva" da nova lógica, darão origem a alguns equívocos. Uma das frases de Bacon foi a seguinte: "o curso que proponho seguir para o descobrimento das ciências, é de tal forma que deixa escasso lugar a agudeza e poder do intelecto pois situa todas as inteligências quase ao mesmo nível". (Livro 1 da nova lógica, aforismo 61 citado por Farrington, 1971: 120). Mais à frente, Bacon faz uma afirmação que irá igualmente dar origem a interpretações contraditórias " porque enquanto que para traçar a mão uma linha recta ou um círculo perfeito se requer uma grande firmeza e pratica manuais, já com a ajuda de régua e compasso, pouco ou nada se precisa daquilo; exactamente o mesmo ocorre com o meu plano. (Ibid: 120-121)


Estas duas afirmações, retiradas do seu contexto poderão ser deficientemente interpretadas no sentido de mostrar que o seu método científico era incomparavelmente superior ao conhecimento filosófico anterior considerado como especulativo e não verdadeiro. Segundo Farrington, não parece ser essa intenção de Bacon, pois o que ele pretendia era mostrar que o seu método autenticamente indutivo poderia ser mais rico em termos de conhecimento do que a lógica grega antiga. Mas mais do que isso, o objectivo de Bacon nunca foi de criar uma ciência experimental, no sentido actual do termo, associado a uma lógica de laboratório ou de investigadores especialistas.


Não podemos esquecer que a componente da sua obra que Bacon pensava dedicar ao método indutivo iria ser constituída por nove partes. Paradoxalmente, ele dedicou mais linhas à parte mais destrutiva do que a parte construtiva. Como ele próprio disse, a nova lógica inseria-se num projecto global que implicava uma nova relação do homem com as coisas. O que ele designava um novo comércio com as coisas humanas e não humanas (entendendo comércio tudo aquilo que implique uma rede). De facto, o primeiro livro da nova lógica, "dedica-se à crítica de sistemas anteriores, e o próprio Bacon chama a este Pars Destruens. A parte destrutiva da sua obra. A parte construtiva, o método, as regras precisas para a indução, tinham no entanto que elaborar-se. Enumera Bacon nove partes do seu método e só trata de uma delas. Mas as oito restantes nunca foram escritas, nem sequer esboçadas em linhas gerais, embora Bacon tivesse vivido mais seis anos e escrito profusamente. The New Logic, como a maior parte do The Great Instauration continua sendo um fragmento" (Farrington, 1971: 119).


Quando entramos no segundo livro é interessante verificar que Bacon não começa por apresentar argumentos epistemológicos. Segundo ele, não se trata apenas de compreender a natureza. Mais importante é a relação entre homem e natureza no seu sentido mais global. De uma forma lata, poderíamos mesmo dizer que Bacon, mais do que um epistemólogo, é acima de tudo um sociólogo. Na verdade, no seu primeiro aforismo do segundo livro Bacon diz:


"Num corpo dado, gerar e sobre induzir uma nova natureza ou novas naturezas é a função e meta do poder humano. Descobrir a forma de uma dada natureza, ou a verdadeira diferença específica, ou a natureza-engendradora da natureza, ou a fonte de emanação (porque estes são os termos mais próximos da descrição da coisa), é a função do conhecimento humano". (Farrington, 1971: 123).


Podemos interrogar-nos sobre o significado que Bacon dá à esta frase "gerar ou sobre induzir uma nova natureza num dado corpo?" Segundo Farrington, Bacon defendia algo bastante prático: "os seus diversos escritos proporcionam abundante literatura sobre o tipo de empreendimento que Bacon tinha em mente. Entre eles encontramos, por exemplo, um projecto para fundir metais para uma grande variedade de propósitos. […] tudo isto se baseava na experiência prática de Bacon, na sua experiência com metais e minerais. Entrando mais em detalhe um dos seus projectos consistia em misturar o ferro com o pedra para conseguir o que chamaríamos de aço. Tem a esperança de produzir um metal que seja mais leve que o ferro e mais resistente a oxidação" [esse metal teria múltiplos usos: na cozinha, nas guerras, etc.] (Farrington, 1971: 123).


 Mas estas afirmações poderão ser entendidas a partir de um outro ponto de vista. Para Bacon, a relação que estabelecemos com a natureza, o poder de criar não estava separado da capacidade de conhecer. As duas estavam intimamente relacionadas, visto que tal como um escultor trabalha o mármore tendo em vista conseguir produzir uma estátua, também aquele que quer conhecer, actua segundo um processo semelhante. Valerá a pena determo-nos um pouco nesta argumentação porque ela, no limite, sugere a solução para um problema que a filosofia das ciências irá auto-criar nos anos posteriores.


 Pode parecer paradoxal, mas Bacon sugere já uma solução para um problema que ira ser criado depois da sua obra. Em que consiste este problema? Como veremos mais adiante com David Hume, consiste em saber se é possível um conhecimento universal e relativamente verdadeiro passível de um conhecimento antecipatório.


 


Bacon sugere diz-nos que conhecer uma coisa não é muito diferente do acto de a transformar. Esta frase numa primeira leitura poderá ser considerada ingénua, porque mistura um acto epistemológico com um acto físico. Mas, se reflectirmos com atenção, veremos que tanto o conhecer como o transformar são acima de tudo marcas (é interessante verificar que apenas quatro séculos depois, esta intuição de Bacon mereceu o estatuto de algo científico com a sociologia da ciência produzida por autores como Kuhn, Latour, etc).


Se relermos, com vagar, o aforismo introdutório de Bacon, podemos tornar mais plausível esta hipótese.


Enquanto que a primeira frase diz que a capacidade de gerar uma nova natureza é a função e o objectivo do poder humano, já o conhecimento humano consiste em descobrir, repito, a forma de uma dada natureza. E mais a frente num parêntesis Bacon acrescenta estas palavras: esta forma constitui um dos "termos mais próximos da descrição da coisa". Sublinhemos esta afirmação: encontramos nela primeiro a ideia de que os termos, a forma, são aproximações, tentativas de chegar à coisa. Além disso, estas tentativas têm um estatuto claro: não passam de descrições.


De facto, quando Bacon diz que é necessário descobrir a "forma" de uma dada natureza ou a verdadeira "diferença" ou então a natureza "engendradora" ou a fonte de emanação não está sugerir nada que se compare com o conhecimento posterior dito científico. Pelo contrário, ele ainda se integra na reflexão filosófica, no debate em torno da indução aristotélica.


Por isso, talvez valha a pena entender a origem dessa preocupação com as causas da coisa — aqui estou a acompanhar o pensamento de Farrington, embora o re-escreva.


Na verdade, Bacon parte das reflexões de Aristóteles sobre a quádrupla doutrina causal: causa material (no exemplo do escultor seria o mármore), a causa eficiente (o escultor), a causa formal (a forma que o escultor adoptou) e a causa final (a razão que levou o escultor a fazer a estátua).


Para Bacon, a última causa, a razão que leva a existência das coisas remete para algo abstracto e, como tal, não deverá merecer a nossa atenção. Tratava-se de um conhecimento especulativo que não tinha nada a ver com as necessidades de transformação de natureza. Por isso, o mais importante seria conhecer as três primeiras causas porque são elas a base de um conhecimento interpretativo, mais próximo da descrição da coisa.


E, entre estas três causas (material, eficiente e formal), a mais importante segundo Bacon é a formal, ou seja, o conhecimento humano é, acima de tudo, uma aproximação à coisa fundada em formas.


O conhecimento sugerido por Bacon embora assente numa lógica empírica, a partir da observação da natureza, sugeria algo para além dessa experienciação. Mas este algo, que iria permitir "conhecer" a "coisa", era designado com o termo forma. Esta palavra era entendida no seu sentido mais humilde, o mais próximo possível da experienciação directa e não como um conjunto de abstracções passíveis (as leis de Newton) de ser aplicadas ao inobservável [como, mais tarde, Hume acentuou] que padecem, no essencial, da mesma ambição de Aristóteles: a causa final.


 


Conclusão: Bacon separa-se claramente de Aristóteles e do seu conhecimento literato e antecipatório.


 


“Aristóteles falava de causa material, de causa eficiente, de causa formal e causa final, como das quatro pré condições necessárias para a existência ou compreensão de qualquer coisa […]. Bacon recusava este emprego das causas finais na filosofia natural. Não considerava útil perguntar para quê as coisas são como são [final]. Contudo, retia as outras três causas, como seria de esperar, mas dando-lhes uma volta.


 


O objectivo de Bacon […] era sobre induzir novas naturezas num dado corpo. Para fazer isso, era necessário ter um conhecimento das causas. Mas é possível colocar esse conhecimento e poder a dois níveis. Se, por exemplo, se sabe como tornar incorruptível o cristal e inoxidável o ferro, então conhecer-se-á tanto as causa materiais como as eficientes nos dois casos. As causas materiais seriam o cristal e o ferro, e as causas eficientes seriam o procedimento técnico que o tornava incorruptível e inoxidável, respectivamente. Isso seria o conhecimento ao nível inferior.


 


"Um homem que conheça as causa eficientes e materiais — disse Bacon — poderá misturar ou separar ou reajustar ou melhorar coisas já descobertas. Poderá inclusive fazer novas descobertas num material similar e preparado. Mas não poderá deslocar as linhas de união das coisas fixadas solidamente".


 


Este nível inferior do conhecimento constitui o domínio da experientia literata […] [antecipações da natureza].


 


Mas para Bacon isto não era suficiente. Como sabemos, ambicionava uma extensão do poder e do conhecimento humano mais revolucionária. […] Deveria ser possível, não só fazer que o ferro seja inoxidável, mas também evitar que qualquer substância tivesse tendência a detiorar-se ao ser exposta. Isto implicava conhecer, não só as causa material e eficiente, mas também a causa formal. Conhecer-se-ia a forma da permanência na sua natureza especial".


 


 


"Bacon não considerava impossível que, se se seguisse energicamente na linha científica que ele propunha, os homens alcançassem um profundo conhecimento da natureza, de tal forma que o seu poder sobre ela fosse ilimitado" (Farrington, 1971: 124-125)


 


 


O exemplo do estudo acerca do calor em que se separa da forma de investigar dos gregos antigos


 


Vejamos o exemplo da sua investigação sobre o calor a partir do que diziam os gregos clássicos.


 


"O próprio Bacon dirigiu umas investigações sobre a natureza do calor. (…) … as noções fundamentais correntes na filosofia natural haviam sido elaboradas pelos antigos a partir do conhecimento superficial dos factos. Ele designava o método indutivo dos gregos como sendo de Enumeração Simples. Podemos explicá-lo através do que os gregos diziam do calor e do frio. Analisavam eles as coisas existentes, considerando quatro elementos: a Terra, a Água, o Ar e o Fogo. Dois destes eram quentes por natureza: O ar e o Fogo; dois eram frios: a Terra e a Água e tudo era metido por força nesta classificação superficial. […]


 


 


 


O problema de Bacon era como abrir caminho em direcção a algo mais fundamental. Insistia em que a nova indução devia cobrir um campo muito mais amplo de factos e que devia trabalhar a informação obtida mediante um novo método que ele designava por método das exclusões.


 


 


"Começando as suas investigações, Bacon lança primeiro quase à sorte um grande número de exemplos que têm como denominador comum a presença do calor. (...) A isto chamava uma Tabela de Essência e Presença, e confiava em que o número e a variedade das suas observações pudessem ser úteis. (...) Por essência e presença entendia que tanto a causa profunda do calor como o fenómeno perceptível do calor estão presentes em cada caso" [127].


 


Em seguida produziu uma outra tabela em que fala dos casos que, em condições semelhantes, não têm calor; A Tabela do desvio ou ausência.


 


"A ideia básica era isolar o objecto de investigação falando de exemplos como aqueles em que o calor havia estado presente mas que se distinguiam de eles pela ausência de calor. (...) A luz do Sol aparecia como o primeiro exemplo de calor. A luz da Lua tinha em comum com a luz do Sol que ambas procedem de uma fonte celestial, mas parece carecer de calor. Isto pode ser importante. Bacon chamava a isto um exemplo negativo, e continua em busca de exemplos negativos.


 


Não poderia encontrar nenhum exemplo seguro de chama que carecesse de calor, mas menciona o ignis fatuus e o Fogo de São Telmo (fosforescência no mar: “Fosforescência; substantivo feminino; Física: propriedade que têm certos corpos sólidos de emitir radiações luminosas depois de terem sido expostos à acção da luz, especialmente ultravioleta; fenómeno luminoso que se observa em certas zonas oceânicas, devido à quantidade de animais fosforescentes à superfície”, in Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora), e sugere que se investigue mais estes casos.


 


Também não pode encontrar nenhum exemplo de substância que não se aqueça por fricção, ou de animal que não seja quente. Passa por um longo processo, em suma, por um novo exame dos fenómenos naturais, sugerido pelos vinte e sete exemplos positivos nos quais encontrou que estava presente o calor, e encaminhado a encontrar condições semelhantes nas em que estivera ausente o calor. […] Na Tabela do desvio ou ausência".


 


 


"Na continuação passou a elaborar uma tabela das variações no grau do calor, tanto no mesmo corpo em tempos diferentes, como num corpo em comparação com outro. Este procedimento (...) leva a uma Tabela dos graus ou Tabela das comparações. Armado com estas tabelas, procede ao labor da Indução mediante o método das Exclusões. (...) Podemos dar uma ideia aproximada de como funcionava este método. Entendia por Exclusão, a recusa de uma teoria falsa.


De este modo, poderíamos perguntar:


 


é o calor unicamente um fenómeno celeste? Não; os fogos na terra são quentes.


 


É então um fenómeno apenas terrestre? Não, o sol é quente.


 


São quentes todos os corpos celestes? Não, a lua é fria.


 


 Depende o calor da presença num corpo quente de alguma parte constitutiva, como o antigo elemento do Fogo? Não, qualquer corpo se pode tornar quente por fricção.


 


Depende o calor da textura do corpo? Não; um corpo com qualquer textura pode ser aquecido.


 


E assim sucessivamente ". [128]


 


Depois de muitas observações, tratava-se de formular uma solução provisória com uma hipótese não como uma antecipação (caso dos gregos) mas com um começo de interpretação: "O calor é um movimento de partículas menores dos corpos, nas quais se reprime uma tendência a separar-se. Isto, desde logo, supõe um avanço revolucionário em relação à antiga doutrina grega". [129]


 


"Uma vez dadas as suas tabelas, ilustrado o seu método de exclusões (...) Bacon fornece em seguida uma lista de nove ajudas adicionais ao intelecto (...). Exemplos privilegiados; apoios à indução; rectificação da indução; variar a investigação segundo a natureza do sujeito; o que deveria ser investigado em primeiro ou último lugar; limites da investigação; Aplicação à prática; Preparações para a investigação; e, por fim, a Escala de Axiomas Ascendente e Descendente [129].


 


Destas nove ajudas, apenas maneja a primeira (...). As outras oito foram sacrificadas à sua decisão de abandonar a lógica e dedicar-se à secção seguinte de The Great Instauration" [129-140] e à escrita de romances de ficção científica (sobre a Atlântida).


 


 


 


 


Conclusão


 


Depois desta viagem pelo texto de Bacon, penso que estou em condições de avançar com as principais linhas de força do seu pensamento.


Em primeiro lugar, Bacon muito dificilmente poderá ser reduzido ao estatuto de fundador do método científico. A sua proposta de ciência parece-me ser bastante diferente do modelo empirista adoptado nos séculos anteriores.


Em segundo lugar, também não me parece correcta a tese que afirma que Bacon teria uma espécie de defeito que consistiria no seu lado mais "aristotélico". Pelo contrário, este autor tenta um equilíbrio difícil entre uma lógica empirista e uma lógica mais teoricista. Ao propor uma rescrita da indução aristotélica, Bacon ensaia um outro olhar sobre a dicotomia habitual que nos nossos dias atravessa os debates "epistemológicos".


Diria mesmo que, mais do que um equilíbrio, o que ele sugeriu foi uma nova maneira de colocar o problema do conhecimento tanto da coisa física como da coisa social. Por isso, em vez de procurarmos um conhecimento verdadeiro da coisa, talvez fosse mais sensato contentarmo-nos com descrições aproximadas da coisa que não ficariam reduzidas a descobrir causalidades materiais ou ligadas à acção. (causa eficiente.). Por isso, segundo este autor o conhecimento mais aprofundado deveria centrar-se no estudo das formas, entendendo estas mais como instrumentos provisórios passíveis de serem usados em descrições ou, como ele diria mais tarde, como começos de interpretação.


O que notável é que estes termos, que à primeira vista nos parecem ingénuos, vão ser escolhidos por autores muito mais recentes. Na verdade, o projecto de Bacon retomado parcialmente por David Hume ou por um conjunto de filósofos considerados marginais será ressuscitado, no século XX por cientistas — ver o caso de Kuhn, doutorado em física — e por sociólogos e filósofos, tais como Michel Serres ou Bruno Latour entre muitos outros.


 


David Hume e o problema do inobservável


 


De tudo o que escreveu Bacon, o que é que restou?


 


Paradoxal e contrariamente à interpretação proposta pelo capítulo anterior, apenas restou a sua "consagração" trágica como fundador do método científico moderno. No entanto, este processo não foi linear. Outras vozes, na maior parte dos casos pouco escutadas, se ergueram e sugeriram leituras alternativas, formas diferentes de encarar a questão epistemológica.


Uma dessas vozes foi David Hume que, no essencial, se aproximou bastante da abordagem de Bacon. No entanto, enquanto que no tempo de Bacon a ciência, tal como a conhecemos hoje, era ainda bastante incipiente, já no caso de Hume ele viu-se obrigado a entrar em debate com a abordagem empirista da ciência apoiada na linguagem matemática. Por esse motivo a estratégia de Hume é mais subtil e já não consiste em definir o que é ciência. Para Hume, tratava-se de interrogar as justificações racionais e lógicas que sustentavam a actividade dos cientistas do seu tempo.


Ao contrário do que estes diziam para Hume a justificação racional e lógica que sustentava a formulação de leis gerais — passar de um número reduzido de casos para a expectativa de estes casos se repetirem universalmente — é "um fenómeno que decorre simplesmente do hábito e das crenças que ele suscita (…). A ilusão de que esta [fundamentação lógica] é possível decorre de se confundir a conjunção dos acontecimentos com a sua conexão. E de se pensar que a determinação de causas e efeitos decorre da necessidade interna deste ultimo tipo de ligação entre acontecimentos" (Carrilho, 1994: 20).


Ver a próxima aula (2 de Novembro de 2005 – aula prática que substitui a teórica) acerca do “O problema de David Hume: um problema que nunca será resolvido!” que será colocada no blog da disciplina (http://metodologia.blogs.sapo.pt) até 31 de Outubro de 2005.


 


 

Sexta-feira, 21 de Outubro de 2005

Olá, tio Albert!

No âmbito do Ano Internacional da Física, o Departamento de Física da UMinho
está a organizar mais um ciclo de colóquios. Destinado ao grande público, este
ciclo pretende chamar a atenção para os segredos e curiosidades da Física que,
depois de descobertos, a tornam numa disciplina fascinante.

Assim, o próximo colóquio é já no dia 28 de Outubro no Museu D. Diogo de
Sousa - Braga, pelas 17 horas.


Título: Olá, tio Albert!

Orador: Prof. Doutor Manuel Fiolhais

Coordenador do Centro de Física Computacional da Universidade Coimbra Vice-presidente do Conselho Cientifico da FCTUC

Breve Resumo do Colóquio

Einstein, como outro qualquer homem, foi um viajante no espaço-tempo. Há cem
anos, em Berna, a maior e mais brilhante produção científica do genial
cientista constituiu um marco na história da Física. Os seus trabalhos
seminais, fundadores da física quântica e da teoria da relatividade, não só
alargaram as fronteiras do conhecimento, como vieram a ter implicações no
desenvolvimento das sociedades que o próprio Einstein não podia imaginar... Na
palestra começamos por mencionar o reconhecimento, cada vez mais generalizado,
de que é a Física que está por detrás de muitos desenvolvimentos científicos e
tecnológicos de que beneficiamos quotidianamente. A proclamação de 2005 como
Ano Internacional da Física está a dar contributos decisivos neste sentido.
Faz-se na palestra uma apresentação necessariamente breve dos trabalhos de
Einstein de 1905, tendo em conta estarmo-nos a dirigir a um público não
especialista. Dando-se particular ênfase ao facto de as descobertas
científicas na área da Física estarem na origem de muitas aplicações práticas,
concretiza-se com alguns exemplos relativos aos trabalhos de Einstein. De
facto, os seus trabalhos de 1905 estão na base de objectos comuns, que
utilizamos no dia a dia, e que proporcionam os níveis de conforto de que
desfrutamos neste início do século XXI, cem anos depois do annus mirabilis.
Refere-se, por fim, a necessidade de os trabalhos de Einstein fazerem parte do
núcleo duro de conhecimentos que um estudante graduado pelo ensino secundário
deve possuir para que a nossa sociedade seja constituída por cidadãos mais
cultos e melhor preparados para a vida.


Outros colóquios previstos

9 de Novembro - A Acústica na Música

Dr. André Almeida, Institut de Recherche et Coordination Acoustique Musique,
Centre Georges Pompidou, Paris


25 de Novembro - A Física na Cozinha

Engª Maria Adelaide Sousa Oliveira, Professora do ensino secundário envolvida
nas acções de divulgação do Ciência Viva “A cozinha é um laboratório”


--------------------------------------
Site e contactos para mais informações
FISICUM 2005
Departamento de Física
Universidade do Minho
a/c Prof. Doutor Luís Rebouta ou
 Doutora Sandra Carvalho

telefone: (+351) 253 60 43 20/253 51 04 70
fax: (+351) 253 67 89 81

e-mail: fisicum2005@fisica.uminho.pt
URL: http://www.fisica.uminho.pt/fisicum2005

 

Tags:
Domingo, 16 de Outubro de 2005

Adiamento da aula teórica de 3ª feira, dia 18 de Outubro de 2005

AVISO


Devido a motivos urgentes, não haverá aula teórica na próxima 3ª feira dia 18 de Outubro de 2005 das 14 às 16h.

Quarta-feira, 12 de Outubro de 2005

Aula teórica nº 1 (4 de Outubro de 2005) e nº 2 (11 de Outubro de 2005)

 

Metodologia das Ciências Sociais– 1º ano de Sociologia


Apontamentos da aula teórica nº 2 de 11 de Outubro de 2005


 


Tema: a contingência da linguagem e o problema do conhecimento científico


 


Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, Lisboa, Ed. Presença, 1994, pp. 23-46 (Cap. 1 - A contingência da linguagem)


 


*        História --- duas tendências:


 


* Artistas/políticos utópicos - os fins estão na arte e na política utópica


 


* Cientistas/filósofos - os fins estão na ciência e na moral


 


 


 


 


"Há cerca de duzentos anos. A ideia de que a verdade era feita e não descoberta começou a dominar a imaginação europeia. A Revolução Francesa mostrara que todo o vocabulário das relações sociais e todo o espectro das instituições sociais podiam ser substituídos quase de um dia para outro. Esse precedente fez da política utópica mais uma regra do que uma excepção entre os intelectuais. (…)


 


 


 


 


 


De então para cá essas duas tendências reuniram as suas forçass e alcançaram uma hegemonia cultural. Para a maior parte dos intelectuais contemporâneos, as questões dos fins, por oposição aos meios - questões acerca do modo de dar sentido à vida de cada um ou à comunidade de cada um - são questões para a arte ou para a política, ou para ambas, e não para a religião, para a filosofia ou para a cdiência. Tal evolução levou a uma cisão na filosofia. Alguns filósofos mantiveram-se fiéis ao Iluminismo e continuaram a identificar-se com a causa da ciência. Vêem o antigo confronto entre ciência e religião, razão e irracionalidade como algo que se mantém, tendo agora assumido a forma de um confronto entre a razão e todas as forças que, dentro da cultura, pensam que a verdade é [23-24] feita e não descoberta. Esses filósofos consideram a ciência como a actividade paradigmática do homem e insistem em que as ciências naturais descobrem a verdade em vez de a fazerem. Consideram que a expressão "fazer a verdade" é uma expressão meramente metafórica e totalmente enganadora. Pensam da política e da arte que são esferas em que a noçao de "verdade" se encontra deslocada. Outros filósofos, verificando que o mundo tal como é descrito pelas ciências físicas não proporciona qualquer lição moral e não oferece qualquer conforto espiritual, concluíram que a ciência não é mais do que ancilar da tecnologia. Esses filósofos alinharam-se do lado dos políticos utópicos e dos artistas inovadores" (pp. 23-24).


 


Segundo Rorty, os filósofos encontram-se divididos entre:


 


* Os que mantêm o antigo confronto entre ciência e religião, razão e irracionalidade. Estes filósofos acreditam que as ciências naturais descobrem a verdade, não fazem a verdade.  Contrapõem o facto científico sólido ao subjectivo; * Iluminismo - causa da ciência - “a verdade é descoberta” - factos


 


    * Outros filósofos vendo que o mundo descrito pelas ciências físicas não nos dão qualquer lição de moral e não nos oferecem matéria de reflexão espiritual, aliam-se aos políticos utópicos. Estes filósofos encaram a ciência como mais  uma actividade humana.Filósofos que concordam com os artistas e os políticos utópicos - “A verdade é feita”, é CONSTRUíDA.


"Enquanto o primeiro tipo de filósofo contrapõe o "facto científico sólido" ao "subjectivo" ou à "metáfora", o segundo tipo encara a ciência como mais uma actividade humana e não como o plano em que os seres humanos encontram uma realidade "sólida", não humana. Deste ponto de vista, os grandes cientistas inventam descrições do mundo que são úteis para fins de previsão e de controlo daquilo que acontece, tal como os poetas e os pensadores políticos inventam outras drescrições do mundo para outros fins. Não há, porém, uma acepção na qual qualquer uma dessas descrições seja uma representação correcta do modo como o mundo é em si próprio. Tais filósofos consideram que a própria ideia de tal representação carece de sentido" (p. 24).


 


 


Os grandes cientistas elaboram descrições do mundo para que os fenómenos possam ser previstos. Tal como os filósofos e os poetas elaboram questões sobre o espírito humano para outros fins.


 


*   Hegel e Kant acreditavam numa ciência do seguinte modo: 


Conhecimento  cientifico  =  metade empírico  +  metade domínio da mente  (a verdade não está diante de nós).


 


 


 


*   Rorty acredita na conciliação entre racionalistas e empiristas da seguinte forma: espaço e tempo existem de facto, isto porque são criação do próprio homem. Portanto, se foram criados, à partida existem, nem que seja apenas nas concepções humanas.


 


*   Distingue


a Tese de que o mundo está diante de nós  (não é uma criação nossa; a maior parte das coisas que acontecem não são efeito dos estados mentais do homem)


da Tese de que a verdade não está diante de nós (é dizer que onde não há frases não há verdade)


 


*   Conciliação: o mundo está diante de nós mas as descrições do mundo não estão. Só as descrições do mundo podem ser verdadeiras ou falsas.


*   A ideia de que o mundo está diante de nós remete-nos para a herança de que o mundo foi criado por um ser com uma linguagem própria, diferente da nossa  =   a ideia dos factos autosubsistentes leva-nos à ideia de Deus.


 


*   A descrição do mundo é feita por um jogo de linguagem. E existem vários jogos alternativos de linguagem.


 


*   O mundo não fala, só nós é que falamos. A linguagem é ditada pelo homem e não pela natureza. Como o mundo não nos aponta de forma clara uma linguagem para o descrever, tem de ser o homem a adoptar essa linguagem, o que não quer dizer que exista aqui alguma arbitrariedade. O homem não adopta por vontade própria determinada linguagem, ele inconscientemente vai adoptando novos vocábulos mais apropriados e mais aperfeiçoados para definir o mundo. É fruto de uma evolução.


 


*   Ideia central: A realidade é indiferente às descrições que dela fazemos. A verdade não é feita pelo homem mas os vocábulos que ele emprega, esses sim, são feitos por ele. As linguagens são feitas (construídas) e não descobertas. Por essa razão, podemos usar jogos de linguagem para fazer parecer que uma coisa é boa ou má, útil ou inútil, bastando apenas redefinir o objecto.


*   Devemos concentrar-nos mais em entender o significado empírico dos vocábulos do que estudar os vários significados terminológicos e o enredo que envolve as diferentes considerações acerca da terminologia.


*   Se o mundo não fosse possível de conhecer porque razão estamos constantemente a persegui-lo  e a tentar conhece-lo, preve-lo e domina-lo.


Esta concepção de que o mundo real não nos é dado a conhecer só cria discussões infrutíferas e vãs.


*   A contingência da linguagem leva a um progresso intelectual e moral, não leva a uma compreensão cada vez maior da realidade em que o homem vive.  Os seres humanos fazem verdades ao fazer linguagens.



 


 

Aulas práticas de 19 (4ªf) e 27 (4ªf) de Outubro de 2005

 

AVISO


 


Aulas práticas de Metodologia – Curso de Sociologia 1º ano


2005/06


 


 


 


As aulas práticas de 19 e 27 de Outubro de 2005 serão substituídas por uma acção de formação sobre bases de dados na Biblioteca da Universidade (edifício em frente ao departamento de sociologia).


As inscrições serão realizadas após as aulas de 11, 12 e 18 de Outubro.


Os alunos deverão comparecer no horário escolhido, no átrio/entrada da Biblioteca da Universidade do Minho (perguntar pela acção de formação de bases de dados para alunos de sociologia – Dr. Eduardo Cardoso).


 


 


 


Turno 1 que tem aulas práticas das 14h às 16h


 


1.A - 19 Out.      14:15 - 15:00     máximo 20 alunos


 


1.B - 19 Out.      15:10 - 16:00     máximo 20 alunos 


 


 


Turno 2 que tem aulas práticas das 16h às 18h


 


 


2. A - 26 Out.     15:50 - 16:30     máximo 20 alunos 


 


2. B. - 26 Out.    16:35 - 17:10     máximo 20 alunos 


 


 


 


11 de Outubro de 2005


 


O docente


José Pinheiro Neves


 


E-mail: jpneves2006@yahoo.com.br


 


Blog: http://metodologia.blogs.sapo.pt


 


 


 


Para mais informações, contactar (átrio da Biblioteca da Universidade do Minho - Gualtar):


 


Eduardo Cardoso


Serviços de Documentação da Universidade do Minho


Gabinete de Difusão de Informação


Campus de Gualtar, 4710.057 Braga - Portugal


Tel.: +351 253 604153; Fax: +351 253 604159


E-mail: dif@sdum.uminho.pt <mailto:dif@sdum.uminho.pt>


URL: <http://www.sdum.uminho.pt/site/visita/bgum3.asp>


 


 

Programa de Metodologia das Ciências Sociais - 2005/2006

Ver em:


http://neves.paginas.sapo.pt/ProgMCS_2005_06.htm

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